
O jornalista, psicólogo, professor e escritor Marcus Vinicius Batista, o Marcão, resolveu sair do mundo virtual dentro da pandemia do coronavírus e publicou seus textos sobre a quarentena no velho e bom livro de papel. O autor conversou com o Blog Santos Em Off.
Como surgiu a ideia de escrever o livro? Comecei na pandemia escrevendo crônicas, escrevi quase 30. Publiquei no meu blog e elas se chamam “Crônicas de uma epidemia”. Depois eu queria fazer ficção também. Eu tenho um livro de minicontos chamado “A vida começa aos 140”, uma alusão aos 140 caracteres do twitter, mas não queria repetir essa fórmula, queria contos um pouco maiores, experimentar um pouco mais e comecei a publicar no Instagram, Facebook, lista de transmissão, que a gente deu o nome de “(Mini) histórias de uma gripezinha”, ironizando é claro. A Kitty (Yoshioka, ilustradora) conseguiu a ilustrar alguns textos do Instagram. Aí, surgiu a ideia que podíamos ter um pouco mais de fôlego por causa da resposta dos leitores e tentar produzir um pouco mais. A gente conseguiu a chegar a 70, eu fiz mais dez inéditos que não estão na internet e a gente transformou em livro, que é o meu quarto.

Você acha que essa pandemia vai servir para melhorar as pessoas?
Eu honestamente não acho que a pandemia vai servir para melhorar ou piorar as pessoas. Ela é usada muitas vezes como uma confortável desculpa para comportamentos que já existiam. É claro que houve uma mudança na rotina, nas relações de trabalho, na maior parte das vezes ruim, houve mudança nos processos de ensino, na maior parte das vezes ruim, tudo por conta de uma situação econômica e financeira. Ouvi muito essa história de melhorar uma coisa meio Poliana (Síndrome de Poliana também chamada de Polianismo ou tendência à positividade é a tendência que as pessoas têm de se lembrarem mais facilmente de coisas agradáveis do que de coisas desagradáveis). Não acho não. O mundo é complexo demais, culturalmente é complexo demais. Se a gente conseguir melhorar nosso quintal, com a vizinhança, com quem mora conosco, será um grande avanço. A gente tem muitos exemplos ruins de como muitas pessoas não têm consciência política, cidadã ou social, ou como a gente queira chamar. Continua prevalecendo um olhar de consumo, um olhar individualista. Vimos várias situações que repetem características culturais autoritárias brasileiras, como o jeitinho e o “você sabe com quem está falando?” e por aí vai.
Como vai ser esse novo “normal” para você? Eu desconfio que tudo é transformado em produto, em mercadoria, nesse “novo normal”. Normal vem de norma, vem da regra. Tanto que na Psicologia a gente lida com essa dualidade: normal e loucura. Normal é um conceito construído social e culturalmente por quem detém o poder, o comando das relações humanas, sejam em grupos sociais, seja no sentido mais amplo. A ideia do novo normal é mais uma ideia de adaptação e ela aconteceu, até porque a quarentena está bem relaxada, essa adaptação aconteceu nas questões de estudo e de trabalho. Não sei se houve novo normal em relação a comportamentos. Vi muitas vezes uma tentativa desesperada autoritária de transformar o mundo lá fora em um mundo on-line. Para mim o exemplo mais claro disso é a produtividade. A ideia estar conectado o tempo todo para parecer ativo, produtivo. Você tem empresas hoje que estão obrigando seus funcionários a baixar aplicativos de vigilância que indicam quando o cara entrou no sistema, saiu do sistema e assim por diante.
Como você está lidando com a doença diante de tanta gente que simplesmente ignora que ela exista?
A gente aqui levou com o máximo de seriedade possível. Cheguei a ficar dois meses e meio sem ver meus filhos que estavam com os avós quando a quarentena começou. Eles moravam a 2 km de mim. Fiquei quatro meses em ver meu pai, que mora a 1,5 Km de mim por conta desses riscos. Sou diabético e considerado grupo de risco. A minha esposa tem Lúpus, doença autoimune, considerada grupo de risco, meus filhos com os avós que mais de 70 anos, meu pai que tem mais 75, fiquei sem ver minha irmã que era a única pessoa que visitava meu pai, por conta disso, fiquei sem vê-la mais de três meses. A gente tentou levar a sério. Claro que oscila. Ninguém escapa ileso dessa mudança de cotidiano. Isso claro gerou uma diversidade de sentimentos, emoções, algumas vezes mais ansioso, angustiado, com dificuldade de concentração, por conta dessa hiperconectividade. Passei a ter minha vida quase toda on-line. Atendo meus pacientes on-line, dou aulas on-line. Tem dias da semana que fico oito, dez horas conectado, com a câmera ligada, isso gera um desgaste cognitivo e mental muito forte.
Você tem a sensação que esse ano foi perdido para todo mundo?
Depende do ponto de vista. Economicamente é um ano perdido. Olho para meu mundo de relações, para o noticiário, vejo quanta gente sofrendo e o quanto para nós é difícil ganhar dinheiro. Como as coisas ficaram complicadas. Que vivemos num mundo em que as coisas ficaram mais caras e que os gigantes estão deitando e rolando. Dos supermercados a distribuidoras, como a Amazon. Para mim o que foi um ano ganho é que consegui manter alguma sanidade escrevendo, lendo muito, foi o ano que mais li na vida, mais do que ano passado, quando fiz uma cirurgia e fiquei três meses afastado do trabalho. Filmes e séries. A internet permite que você consuma conteúdo de tudo quanto é lugar e isso é muito bom também. Depende da perspectiva.
Dá para sair otimista com o futuro da pandemia? Eu não sou otimista. Não sei tirar uma conclusão se sou realista ou pessimista. Eu acho que fizemos o que nós somos. O ser humano é muito diferente do conceito de humanidade. Não é umbilical. Vimos a ganância, a violência, a intolerância, o preconceito, a truculência presente na pandemia, o autoritarismo. São características que estão presentes na história, que são inerentes ao ser humano muitas vezes. Não sei se a gente aprendeu. Depende de cada um se aprendeu um pouco. A tendência é que a gente depois procure o conforto de qualquer aspecto que você queira interpretar, o conforto psicológico, simbólico, cultural, material. Não acho que vai haver uma mudança radical no modo de vida em termos capitalistas, acho que vai tudo se acomodar como está se acomodando nessa quarentena relaxada que estamos vivendo.
Qual sua intenção ao contar histórias da gripezinha que vitimou milhares de pessoas só no Brasil?
Eu escrevo, primeiro, porque é terapêutico e, segundo, para botar para fora certas coisas que estão me incomodando e fazendo diferença para mim. Eu gosto da ironia, da surpresa, do desfecho, da ficção, pois ela permite que você diga muita coisa pela boca dos personagens. Achei que precisava falar algumas coisas que talvez alcançasse mais gente do que seu eu dissesse pela crônica, pela não ficção. Por isso, resolvi contar essas histórias ao longo da pandemia.
(Mini) histórias de uma gripezinha
Editora Ateliê de Palavras
Valor: R$ 30,00
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